Da escalada: |
Um gargalo é uma restrição de um sistema. Em nosso processo de escalar a Pedra do Garrafão, em Ecoporanga, ES, sempre havia um gargalo pelo menos: se não era o cansaço, era o dia que se acabava; todavia, no final da conquista da parede de 500 metros, tudo estava “no gargalo”: poucos litros água, o tempo acabando e uma parede que não dava tréguas.
Tudo começou com um telefonema de um amigo. Era o Eduardo Viana (Ralf), conhecido escalador mineiro, com muitas conquistas de vias de alto nível pelo interior de Minas Gerais. Sem falar muito, ele jogou uma bomba: dizia estar na base de uma parede de mais de 400 metros, com fendas, cume virgem e muito vertical. Disse estar nos esperando e que levássemos muito equipamento. Em alguns dias preparamos as mochilas e pegamos a estrada. Foram 1500 quilômetros de Curitiba (PR) até a vila de Santa Terezinha, 12 Km antes de Ecoporanga, norte do Espírito Santo. Encontramos Ralf e Fernanda, sua companheira, quase embaixo da parede. E era realmente vertical, chegava a dar medo só de olhar. Naquele momento percebi porque a montanha ainda possuía cume virgem: a escalada seria complexa e difícil, pois boa parte dela tinha inclinação negativa, fato denunciado pela coloração amarelada de mais da metade do imenso paredão. E também seria necessária uma quantidade grande equipamentos e muita experiência e persistência. Tão logo chegamos, iniciamos a tarefa de escolher a linha, tentando captar os detalhes da parede com o auxílio de um binóculo. No mesmo dia pedimos autorização para o dono das terras, o qual nos chamou de doidos, mas permitiu que montássemos nosso acampamento a cerca de 40 minutos de caminhada da base.
Na Parede
1º dia No mesmo dia começamos a transportar equipamentos e água para a base. No dia seguinte, amanheci muito mal de gripe e não pude escalar. Meus parceiros, Valdesir Machado (Val), Javier Franco (Javi) e Ralf iniciaram logo a conquista. Já de cara não tínhamos peças grandes, tipo camalot #5, para colocar na fenda larga do “diedraço” inicial, mas o Val soube driblar a situação e conseguiu conquistar 150 metros de via logo no primeiro dia. Isto era uma segunda feira e o plano era chegar até o primeiro platô da parede na terça.
2º dia Ralf e Fernanda subiram pelas cordas fixas e começam a conquistar a quarta cordada. Porém, neste ponto a fenda some e dá lugar a um artificial de cliff trabalhoso. Depois do almoço juntei-me a eles e chegamos ao primeiro platô. Estávamos ansiosos para saber se este seria bom para bivacar, pois necessitávamos de um acampamento intermediário. No final das contas a plataforma era meio torta e repleta de cactos, mas poderíamos nos ajeitar por ali.
3º dia Na quarta-feira, subimos com mais de 40 litros água, comida e equipamentos até o primeiro platô. Calculamos 3 litros de água por dia por pessoa e pedimos para São Pedro enviar umas nuvens para tapar o sol. Eu e Val subimos até o platô e imediatamente começamos a conquistar. Val guiou um diedro bonito de quase 50 metros e eu entrei numa cordada de artificial no começo e depois em livre. No final do dia Val conquistou um trecho por um teto muito trabalhoso. Descemos para o platô e deixamos as cordas fixas agora dali para cima. Comemos uma bela macarronada preparada pelo pessoal que ficou ajeitando o bivaque enquanto escalávamos.
4º dia A quinta-feira amanheceu ensolarada e Ralf e Fernanda subiram pelas cordas para dar seguimento à via que já estava com mais de 250 metros. Porém, minutos depois retornaram, pois Ralf não se sentia bem. Desta forma, eu, Val e Javi partimos para cima. O Val continuou a cordada que passava pelo teto toda em artificial e eu tive de “bailar” para “limpá-la” depois. Esta seria a sétima cordada e chegava em um platô gigantesco, protegido do sol e da chuva. O Javi decidiu guiar a oitava cordada e conseguiu conquistar uma parte dela naquele dia. Na descida até o primeiro platô a corda em que Val estava se enrosca em um bloco e este cai e quase a corta, jogando-o contra a parede e dando-nos um grande susto. Para completar aquela noite das bruxas, choveu sem parar durante toda a madrugada. Pela manhã deu uma melhorada e subimos para um ataque ao cume.
5º dia Uma sexta-feira chuvosa era o que se delineava pelo acúmulo de nuvens. Terminei a oitava e Val guiou a nona cordada, a qual o deixou em frangalhos: um A3 com final em sétimo grau em livre! Para “limpar”, outro baile. E a chuva caía forte, com muita neblina e frio, mas não nos molhávamos devido à inclinação da parede. Quanto mais subíamos, pensávamos que as dificuldades poderiam amainar, mas a montanha não dava trégua. E o próximo tramo não foi diferente, mais fissuras largas e muita energia gasta. O cume parecia estar tão próximo, mas quanto mais nos acercávamos, mais ele parecia nos escapar. Na P10, enquanto assegurava meu parceiro, comecei a fazer as contas e já dava mais de 400 metros. De repente anoitece e uma neblina espessa nos engole, mas ainda tínhamos esperanças de fazer cume naquele dia. Então o Val diz para mandar o material de grampeação pois vai bater uma parada; depois de bater um grampo diz que devemos descer e deixar as cordas fixas para tornar a subir no outro dia, pois o trecho de uns 30 metros restante era vertical e seria difícil de escalar à noite. Assim, rapelamos as 4 cordadas até o platozão, um pouco frustrados, mas contentes pelo progresso da ascensão. Poucos minutos depois estávamos comendo um macarrão e tomando um maravilhoso café preparados pela Fernanda.
6º dia Ajeitamo-nos sem sacos de dormir, embaixo de uma lona plástica e acordamos com um amanhecer iluminado. De café da manhã 200 metros de jumareio no vazio, pois as cordadas eram tão verticais que subíamos pela corda sem tocar a pedra. Só 30 metros de parede nos separavam do cume da Pedra do Garrafão, e tocava a mim aquela cordada. Era muito engraçado, pois eu via exatamente onde tinha de chegar, via as fissuras e o “pepino” que tinha pela frente. O Val me sugeriu um diedro que era óbvio, mas era meio podre. Ou uma travessia tétrica, sem proteções, à esquerda, para chegar a uma bela fenda. Decidi negociar com lacas e com cuidado fui fazendo a diagonal, escolhendo as agarras que pareciam mais sólidas. Em poucos passos e muita concentração, cheguei à base de uma laca muito interessante. Havia uma fenda de mão muito boa de escalar e proteger, mas não era nada fácil. E as dificuldades persistiram até o último momento, quando lacei um galho da árvore que serviria de parada. Um a um foram chegando pela corda e comemoramos com emoção a conquista da Pedra do Garrafão. O nome da via ficou “No Gargalo”.
Tudo já estava no gargalo: a água acabara, nossa energia e o nosso tempo também, pois planejáramos chegar em Curitiba no domingo à noite. E assim fizemos um retorno non stop, do cume (sábado, meio do dia) até em casa (domingo à noite), deixando para trás uma linha perfeita numa montanha magnífica.
No Gargalo (500m, 6º VIIb, A3, E4)
Tempo estimado para repetição: 2 a 3 dias
Cordada 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Extensão 55 35 55 35 50 25 25 40 50 45 55 30 Livre 6º 6º 6º 6º 6º 4º 4º - 7a 6º 7b 7b Artificial - - - A1 - A2 A2+ A2 A3 - - -
Equipamentos Utilizados: 2 jogos de camalots (incluir o #5) 1 jogo de friends 1 jogo de micro-friends 1 jogo de aliens 1 jogo de ball-nuts 1 jogo de stoppers 1 jogo de micro-stoppers 2 pitons de lâmina 2 rurps 2 chumba-heads 2 cliffs de buraco 1 cliff de agarra + Cordas, mosquetões, equipamentos de grampeação, equipamentos para escalada artificial, equipamento individual, etc.
Como chegar: De Belo Horizonte, segue até Governador Valadares e depois até Mantena. De Mantena até Ecoporanga. A Pedra do Garrafão está localizada ao lado da estrada, bem à frente da Vila de Santa Terezinha, 12 Km antes do centro de Ecoporanga. São 500 Km de Belo Horizonte (MG) à Pedra do Garrafão.
Escaladores: Edemilson Padilha, Valdesir Machado, Javier Franco, Eduardo Viana e Fernanda Rocha
Patrocínio: Conquista, Das Pedras
Apoio: Snake, Nômad
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